Ideologia, realidade<br>e inevitabilidade
Muitos ouvimos, outros lemos (seguindo um processo bem menos penoso), as declarações do Cavaco de que «a realidade acaba sempre por derrotar a ideologia». Um tipo mais distraído poderia saudar esta declaração, sublinhando o carácter profundamente materialista de reconhecer a superioridade da matéria face ao espírito. É que o Cavaco não sabe, mas tem razão.
O Cavaco acredita que a realidade é a sua ideologia. Que a realidade são os interesses, as aspirações e as necessidades da grande burguesia. Mas o Cavaco não sabe o que é a realidade (e talvez não tenha mesmo forma de saber). É que a realidade é uma unidade dialética, da qual também fazem parte os interesses, as aspirações e as necessidades das restantes classes e camadas, é a realidade da unidade e luta dos contrários, da luta de classes.
Da mesma forma, o Cavaco acredita que é o pragmatismo que tem feito vencer as opções defendidas pela sua ideologia, ditadas pelas necessidades da grande burguesia. Mas essas opções têm vencido pela força, reflectindo a correlação de forças actual num processo que determinará a correlação de forças de amanhã. O Cavaco talvez não saiba, mas essa força não assenta na razão mas tem uma base material muito concreta, desde o domínio sobre o aparelho de Estado ao domínio dos meios de comunicação social, passando pelo domínio sobre o aparelho produtivo.
Veja-se o que motivou as declarações do Cavaco. A grande burguesia prepara-se para arrancar mais três mil milhões de euros do couro do povo trabalhador português. Desta vez, a desculpa é o BANIF. Mais uma vez os seus ideólogos vendem com sucesso a banha da cobra da inevitabilidade desta opção que manda fechar bancos de urgência para enriquecer banqueiros e especuladores. Mas não só cada vez mais gente acorda para esta realidade, como o próprio sistema capitalista está cada vez mais frágil, mais enredado nas suas contradições insanáveis, e se encontra cada vez mais próximo o momento da sua inevitável superação revolucionária.
É por isso que, no meio de tanta ignorância, o Cavaco acaba por ter razão. É que a realidade acabará por impor-se. É inevitável!